Decidi de última hora ir ao 7º grande ato contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, no dia 20 de junho, encabeçado pelo Movimento Passe Livre. Estava relutante, porque notei que muita coisa já havia mudado desde a primeira manifestação.
Abre parênteses.
Não vou entrar em discussões políticas aqui. Mas eu estava entre as 5 mil pessoas que, no dia 13 de junho de 2013, no 4º ato do movimento, foram hostilizadas sob repressão absurda da polícia. Uma semana depois de presenciar cenas lamentáveis, o cenário era bem diferente. Tão diferente que eu nem consigo mensurar o quanto isso é bom ou ruim. Desde o dia 17, primeiro manifesto depois da violência da polícia, já deu pra notar que os ares tinham mudado. Uma multidão de gente com a bandeira do Brasil a tiracolo, reclamando do preço da passagem, da corrupção, da PEC 37, da chuva, do Renan, da Dilma, do caos… Enfim, muitas reclamações. Sabia que isso ia, sim, se repetir nas próximas manifestações e foi exatamente o que aconteceu nesse dia 20 de junho.
Fecha parênteses.
Apesar da minha vontade de não estar no meio da manifestação (simplesmente pelo fato de não querer ser confundida com mais um manifestante acéfalo), fui convencida pela minha amiga e lá fomos eu, ela e meu namorado. Dessa vez, tínhamos um objetivo diferente de “protestar”: tentar ter uma noção de quantas pessoas ali sabiam do que estavam falando.
Saímos da estação Consolação do metrô e, entre milhares de caras pintadas, cartazes e camisetas do Brasil, começamos a conversar com muitas pessoas que estavam ali na Paulista com a Augusta. Perguntamos a meia dúzia de pessoas com cartazes o que era a PEC 37; um único cara sabia o que aquilo significava. Perguntamos aos ambulantes como estava o movimento; venderam muito mais latinhas de cerveja do que garrafas d’água. Perguntamos ao cara que vendia camisetas “Joaquim Barbosa para Presidente” o por quê dele estar ali; 20 peças daquelas, ao valor de R$20, haviam sido vendidas. Fizemos outros questionamentos também e minha amiga, a Camilla Feltrin, escreveu sobre os vários manifestantes com os quais a gente conversou. Vale a pena ler tudo AQUI.
Quando já estávamos perto da Fiesp, vimos um grupo bem destoante do resto das pessoas que desfilavam pela Paulista naquele momento. Bandeiras vermelha e preto, rostos cobertos e gritos de ordem. Aquilo sim parecia um protesto. Não pensamos duas vezes e fomos até lá. Facilmente identificados, era um grupo anarcopunk, com mais ou menos 40 pessoas, entoando coros como “Vocês entenderam mal, isso daqui não é carnaval”, “Chega de alegria, a PM mata pobre todo dia” e outros. Não pensei duas vezes (de novo) e já estava convencida de que deveria acompanhar esse protesto. Aquela dose de realidade me conquistou em meio ao clima alheio de Copa do Mundo.
Logo quando nos juntamos a eles, o clima, que já devia estar quente, esquentou mais ainda. Um dos manifestantes pegou uma bandeira do Brasil não sei de onde e, prontamente, uns três caras fizeram uma rodinha e começaram a atear fogo no pano. Ao mesmo tempo que a cena acontecia, na extremidade esquerda da marcha, começava uma discussão acalorada entre anarcopunks e a torcida da seleção brasileira. Metade puxava o coro “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas”, enquanto a outra gritava “Hino nacional, lavagem cerebral”. Não foi uma vez de que presenciei isso, foram algumas vezes.
Quando a marcha chegou ao Masp, só conseguia enxergar os olhos arregalados ao redor da manifestação. Ao verem os rostos cobertos, jaquetas pretas com rebites e os cabelos espetados da linha de frente do bloco, as pessoas automaticamente começaram a se afastar e, claro, entonar o clássico “sem violência”. Ninguém ali estava incitando nenhum tipo de agressão ou seja lá o que as pessoas estivessem pensando, mas mesmo assim respondemos com “sem moralismo”. Cinco passos a frente, outra confusão (não achei palavra melhor): acho que confundiram a manifestação anarcopunk com militância do PT , RISOS. Aos gritos de “sem partido, sem partido”, nem mesmo nós que estávamos lá no meio entendemos o que estava acontecendo, mas isso serviu pra uma lição. As pessoas não fazem a mínima ideia do que é anarcopunk e muito menos do que se trata um partido político, RISOS.
A caminhada até quase o fim da Paulista, na altura da Augusta, foi tão divertida quanto esses minutos relatados. Desistimos de acompanhá-los quando percebemos que estavam indo em direção a um grupo de skinheads que recebiam, aos socos e pontapés, toda e qualquer pessoa que passasse de vermelho na frente deles. Mas acho que esse confronto não existiu, ainda bem. Ouvi muita coisa que não concordo, verdade, mas também tive esse prazer de ver a manifestação de um ângulo bem diferente. O que eu achei que seria uma noite totalmente aleatória na minha vida, no meio de gente que estava na rua pela festa e alegria, me rendeu outras perspectivas bem mais reais. Percebi que o movimento anarcopunk, apesar de ser uma luta utópica ((ao meu ver)), tem valores importantíssimos que a gente insiste em esquecer. E, admito, apesar de certo radicalismo que nego a ser condizente, não havia outro grupo ali que eu me sentisse mais representada. Nem parece que tenho um “Filho teu não foge à luta” tatuado no braço, eu sei, e que meus companheiros de manifestação não saibam disso.